Páginas

12 de outubro de 2017

São tempos difíceis para um cinéfilo!

É desanimador, os trailers estão revelando as surpresas dos filmes e a ida aos cinemas já não é tão agradável assim



São tempos difíceis para um cinéfilo. São tempos difíceis para ir ao cinema. Esta não é uma crítica de um filme, é mais um desabafo de um cinéfilo (eu) incomodado com a atual realidade no que diz respeito ao processo de divulgação de uma obra cinematográfica e ao hábito de ir a um cineplex assistir a um filme.

Ir ao cinema tem se tornado cada vez mais uma odisseia das mais frustrantes, o desrespeito é um dos principais fatores, mas a frustração já te acomete meses antes do filme estrear. Refiro-me à pesadíssima campanha de marketing das distribuidoras, que lançam centenas de trailers e vídeos – e se reclamar, publicam ainda os dez minutos iniciais do filme! Woooow! Maravilha hein!!! –  revelando cenas importantes da história, arruinando quase completamente a nossa experiência no cinema. O poder de “sugerir” caiu em desuso em detrimento do “explícito”.  


Se o clássico Tubarão fosse lançado nos dias atuais e o bicho fosse revelado nos trailers, Steven Spielberg teria uma síncope, morreria na hora. Pois você bem sabe – espero que saiba mesmo – que o maior trunfo do filme é a não aparição do tubarão durante a maior parte da produção, o que não diminui o suspense e o impacto quando ele ataca. Tubarão é a prova de que “não ver” pode ser bem mais apavorante do que escancarar uma ameaça. Infelizmente, o lema de Hollywood hoje em dia é exatamente o contrário: Mais é sempre mais.


Essa discussão tem sido cada vez mais frequente nos sites especializados. Ufa! Achei que só eu estava percebendo esse marketing “arregaçado”. Até David Lynch se posicionou sobre essa questão e eu concordo totalmente com ele. "Hoje em dia, os trailers contam praticamente a história inteira do filme. Eu acho que eles são realmente prejudiciais".


Assim como o criador de Twin Peaks, eu tento – com todas as minhas forças – não saber de nada do filme antes de entrar no cinema. Por quê? Ah, por motivos diversos. Eu sou um apreciador da sétima arte, ir ao cinema para mim não significa usar o escurinho como pretexto para dá uns amassos, ou pior, encher a pança de pipoca  - prefiro M&Ms, rs – isto é, eu estou ali para ter uma experiência audiovisual única, quero entrar no mundo que se abre à minha frente e tentar captá-lo da forma mais abrangente possível. “Qualquer coisa que putrefaça isso não é boa". Obrigado Lynch por suas palavras.


Saudades do tempo em que os trailers nos enganavam, faziam-nos pensar que o filme era realmente bom, quando não era. Saudades da época em que as melhores piadas de uma comédia não estavam nos vídeos de divulgação, e de quando os melhores sustos e momentos mais assustadores de uma obra de terror nos assustavam no escurinho da sala de cinema, e não quando você está rolando a timeline do Facebook. 

Mas os haters vão dizer que é “mimimi” e questionar: Se você acha que os trailers mostram demais, então, não veja! E eu não vejo, meus queridos, não com a frequência e empolgação de antigamente. Hoje, tenho medo deles, tenho medo de que a Warner mostre o Superman antes da estreia de Liga da Justiça, porque mais que qualquer outra distribuidora, a Warner vem se tornando expert em “trailers brochantes” (como o de Batman Vs Superman, que mostrou desnecessariamente o vilão, este que apenas aparece no terceiro ato).


E se o Superman aparecer, não importa se eu vi o vídeo ou não, a imagem do super-herói aparecerá na minha timeline de qualquer forma, seja em forma de meme ou de notícia sensacionalista com aquele tipo de manchete feita para angariar cliques.  Outro caso é o de Homem-Aranha: De Volta ao Lar, cujo trailer mostrou as melhores cenas cômicas do longa, quando eu o vi,  elas já não tinham graça alguma.

Não sei a que deve essa “nova” estratégia de divulgação, é certo que a concorrência entre os estúdios aumentou, há muito mais blockbusters hoje que dez anos atrás, e claro houve uma mudança de comportamento dos ditos consumidores, a geração de hoje em dia é digital, dispersa-se facilmente e se importa muito com a opinião alheia, com sites que dão notas a filmes e idolatram a opinião de youtubers que têm memória curta e cujo conhecimento do tema se limita a obras fílmicas de até dois anos atrás. 

Tal comportamento dessa geração justificaria o marketing massivo com o propósito de atrair o maior número de pagantes no fim de semana de estreia, já que no próximo, outra grande produção estreia e os lucros provavelmente serão menores.


Mesmo assim, a concorrência e essa questão comportamental não justificam o fato de os distribuidores não se importarem de divulgar trailers com informações demais. Eles não pensam que arruinar uma experiência no cinema pode afastar seus espectadores dos multiplexs? E que isso pode motivar a troca da ida ao cinema pelo conforto do sofá e Netflix? Não vejo vantagem alguma nessa estratégia de escancarar tudo em dois minutos de vídeo. Isso se chama "automutilação"!!! O trailer não é um resumo da história do filme, é um recurso para instigar, empolgar o espectador e deixá-lo com vontade de ver mais.


Se eu fico revoltado com esse panorama apocalíptico atual, imagine como ficou Matthew Vaughn – um dos melhores diretores da atualidade – quando descobriu que o maior segredo de seu filme, Kingsman: O Círculo Dourado, foi revelado pelo próprio marketing do estúdio. Implorei para não revelá-lo. Porque é toda a força do primeiro ato, e se você não soubesse da cena, teria sido uma boa surpresa para o público. Então você tem que perguntar aos adoráveis caras do marketing, porque eu acho que o trabalho deles é vender o filme sem se importarem com a experiência do filme.”  A revelação em questão é o retorno do personagem de Colin Firth – “morto” no original: Serviço SecretoKingsman 2 é um dos melhores filmes do ano, mas tenho certeza que a experiência seria diferente positivamente caso o segredo fosse mantido.


Parece que tudo, nesses dias fatídicos, conspira contra o hábito de ir ao cinema. Depois de meses evitando o máximo de spoilers de um filme – imagine Neo se desviando das balas - vem mais uma batalha pela frente: vê-lo no cinema sem passar um tico de situação desagradável.

Ir ao cinema nos fins de semana pode se tornar um caos, pode ser o próprio inferno – e você achando que precisa morrer pra ir até ele, bobinho. As filas quilométricas – motivadas pelos poucos caixas disponíveis e por aqueles seres abomináveis que passam horas para escolher a poltrona (e até mesmo o filme) na hora da compra tornam o cenário desanimador, desesperador, nesse sentido, os caixas automáticos têm ajudado bastante, mas a batalha maior ainda não chegou.




Os “perigos” dentro de uma sala de cinema podem surgir de todos os lados. Há mais de 15 anos vou ao cinema, em média 3 vezes por mês, mas somente de uns tempos para cá esse hábito tem me dado dor de cabeça e estresse. Os motivos são vários: conversas paralelas e uso de celular durante a exibição do filme, ou seja, educação, respeito e bom senso estão em desuso e ninguém me avisou, achei que isso era algo presente só nas redes sociais. 

Em um não tão belo dia, fui ao cine, um funcionário da própria rede (UCI, cof cof) de cinemas acendeu as luzes da sala pouco antes de o filme acabar, acredite se quiser, destronando com toda a imersão, arruinando o momento de uma forma irreparável. Mas o pior aconteceu meses atrás, quando uma criança preferiu ficar vendo o YouTube no seu celular a ver o filme que se passava à sua frente. O brilho da tela do aparelho não incomodou os pais, que estavam do lado dele e não fizeram nada a respeito, mas eu fui obrigado a mudar de lugar. Estou jogando praga nessa família até hoje...


Tais situações me fizeram adotar certas medidas, caso eu quisesse manter o meu costume de cinéfilo:

- evito ir aos cinemas nos fins de semana; agora priorizo as sessões nos outros dias, quanto menos gente, melhor;

- o fato de não sair nos fins de semana, consequentemente me livra de outros problemas: adolescentes e crianças irritantes (e pais passivos), ou seja, esse público “adorável” que está ali mais para confraternizar com os amigos, se pegar no escuro, fazer selfies, dar gargalhada em momentos inapropriados, menos para ver o que está na telona.

- quando possível, vou a um cinema onde o público é mais adulto e ciente das regras sociais ali vigentes.

Não espero que os estúdios mudem suas estratégias de marketing, mas as pessoas podem sim rever suas atitudes, terem mais respeito e educação com o próximo. De que adianta tanta tecnologia e mais conforto nas salas de cinema se os seus usuários ainda agem como se vivessem na era das cavernas?


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...