É desanimador, os trailers estão revelando as surpresas dos filmes e a ida aos cinemas já não é tão agradável assim
São tempos difíceis para um cinéfilo. São tempos difíceis
para ir ao cinema. Esta não é uma crítica de um filme, é mais um desabafo de um
cinéfilo (eu) incomodado com a atual realidade no que diz respeito ao processo
de divulgação de uma obra cinematográfica e ao hábito de ir a um cineplex
assistir a um filme.
Ir ao cinema tem se tornado cada vez mais uma odisseia das
mais frustrantes, o desrespeito é um dos principais fatores, mas a frustração
já te acomete meses antes do filme estrear. Refiro-me à pesadíssima campanha de
marketing das distribuidoras, que lançam centenas de trailers e vídeos
– e se reclamar, publicam ainda os dez minutos iniciais do filme! Woooow!
Maravilha hein!!! – revelando cenas importantes da história, arruinando
quase completamente a nossa experiência no cinema. O poder de “sugerir” caiu em
desuso em detrimento do “explícito”.
Se o clássico Tubarão
fosse lançado nos dias atuais e o bicho fosse revelado nos trailers, Steven
Spielberg teria uma síncope, morreria na hora. Pois você bem sabe – espero que
saiba mesmo – que o maior trunfo do filme é a não aparição do tubarão durante a
maior parte da produção, o que não diminui o suspense e o impacto quando ele
ataca. Tubarão é a prova de que “não ver” pode ser bem mais apavorante do que
escancarar uma ameaça. Infelizmente, o lema de Hollywood hoje em dia é
exatamente o contrário: Mais é sempre mais.
Essa discussão tem sido cada vez
mais frequente nos sites especializados. Ufa! Achei que só eu estava percebendo esse marketing “arregaçado”. Até David Lynch se posicionou sobre essa questão
e eu concordo totalmente com ele. "Hoje
em dia, os trailers contam praticamente a história inteira do filme. Eu acho
que eles são realmente prejudiciais".
Assim
como o criador de Twin Peaks, eu tento
– com todas as minhas forças – não saber de nada do filme antes de entrar no
cinema. Por quê? Ah, por motivos diversos. Eu sou um apreciador da sétima arte,
ir ao cinema para mim não significa usar o escurinho como pretexto para dá uns amassos,
ou pior, encher a pança de pipoca - prefiro
M&Ms, rs – isto é, eu estou ali para ter uma experiência audiovisual única,
quero entrar no mundo que se abre à minha frente e tentar captá-lo da forma
mais abrangente possível. “Qualquer coisa que putrefaça isso não é
boa". Obrigado Lynch por suas palavras.
Saudades
do tempo em que os trailers nos enganavam, faziam-nos pensar que o filme era
realmente bom, quando não era. Saudades da época em que as melhores piadas de
uma comédia não estavam nos vídeos de divulgação, e de quando os melhores
sustos e momentos mais assustadores de uma obra de terror nos assustavam no
escurinho da sala de cinema, e não quando você está rolando a timeline do
Facebook.
Mas os haters vão dizer que é “mimimi” e questionar: Se você acha que os trailers mostram
demais, então, não veja! E eu não vejo, meus queridos, não com a frequência
e empolgação de antigamente. Hoje, tenho medo deles, tenho medo de que a Warner
mostre o Superman antes da estreia de Liga da Justiça, porque mais que qualquer
outra distribuidora, a Warner vem se tornando expert em “trailers brochantes” (como
o de Batman Vs Superman, que mostrou desnecessariamente
o vilão, este que apenas aparece no terceiro ato).
E se o Superman aparecer,
não importa se eu vi o vídeo ou não, a imagem do super-herói aparecerá na minha
timeline de qualquer forma, seja em forma de meme ou de notícia sensacionalista
com aquele tipo de manchete feita para angariar cliques. Outro caso é o de Homem-Aranha: De Volta ao Lar, cujo trailer mostrou as melhores
cenas cômicas do longa, quando eu o vi, elas já não tinham graça alguma.
Não
sei a que deve essa “nova” estratégia de divulgação, é certo que a concorrência
entre os estúdios aumentou, há muito mais blockbusters hoje que dez anos atrás,
e claro houve uma mudança de comportamento dos ditos consumidores, a geração de
hoje em dia é digital, dispersa-se facilmente e se importa muito com a opinião
alheia, com sites que dão notas a filmes e idolatram a opinião de youtubers que têm
memória curta e cujo conhecimento do tema se limita a obras fílmicas de até
dois anos atrás.
Tal comportamento dessa geração justificaria o marketing
massivo com o propósito de atrair o maior número de pagantes no fim de semana
de estreia, já que no próximo, outra grande produção estreia e os lucros
provavelmente serão menores.
Mesmo assim, a concorrência e essa questão comportamental não justificam o fato de os
distribuidores não se importarem de divulgar trailers com informações demais. Eles não pensam que arruinar uma experiência no cinema pode afastar seus
espectadores dos multiplexs? E que isso pode motivar a troca da ida ao cinema
pelo conforto do sofá e Netflix? Não vejo vantagem alguma nessa estratégia de
escancarar tudo em dois minutos de vídeo. Isso se chama "automutilação"!!! O trailer não é um resumo da história
do filme, é um recurso para instigar, empolgar o espectador e deixá-lo com
vontade de ver mais.
Se eu
fico revoltado com esse panorama apocalíptico atual, imagine como ficou Matthew
Vaughn – um dos melhores diretores da atualidade – quando descobriu que o maior
segredo de seu filme, Kingsman: O Círculo Dourado, foi revelado pelo próprio
marketing do estúdio. “Implorei para não revelá-lo. Porque é toda a força
do primeiro ato, e se você não soubesse da cena, teria sido uma boa surpresa
para o público. Então você tem que perguntar aos adoráveis caras do marketing,
porque eu acho que o trabalho deles é vender o filme sem se importarem com a
experiência do filme.” A revelação em questão
é o retorno do personagem de Colin Firth – “morto” no original: Serviço Secreto. Kingsman 2 é um dos melhores filmes do ano, mas tenho certeza que a experiência
seria diferente positivamente caso o segredo fosse mantido.
Parece
que tudo, nesses dias fatídicos, conspira contra o hábito de ir ao cinema. Depois de
meses evitando o máximo de spoilers de um filme – imagine Neo se desviando das
balas - vem mais uma batalha pela frente: vê-lo no cinema sem passar um tico de
situação desagradável.
Ir ao
cinema nos fins de semana pode se tornar um caos, pode ser o próprio inferno –
e você achando que precisa morrer pra ir até ele, bobinho. As filas quilométricas – motivadas pelos
poucos caixas disponíveis e por aqueles seres abomináveis que passam horas para
escolher a poltrona (e até mesmo o filme) na hora da compra tornam o cenário
desanimador, desesperador, nesse sentido, os caixas automáticos têm ajudado bastante, mas a
batalha maior ainda não chegou.
Os “perigos”
dentro de uma sala de cinema podem surgir de todos os lados. Há mais de 15 anos
vou ao cinema, em média 3 vezes por mês, mas somente de uns tempos para cá esse
hábito tem me dado dor de cabeça e estresse. Os motivos são vários: conversas
paralelas e uso de celular durante a exibição do filme, ou seja, educação, respeito
e bom senso estão em desuso e ninguém me avisou, achei que isso era algo
presente só nas redes sociais.
Em um não tão belo dia, fui ao cine, um funcionário da própria rede (UCI, cof cof) de cinemas acendeu
as luzes da sala pouco antes de o filme acabar, acredite se quiser, destronando com
toda a imersão, arruinando o momento de uma forma irreparável. Mas o pior
aconteceu meses atrás, quando uma criança preferiu ficar vendo o YouTube no seu
celular a ver o filme que se passava à sua frente. O brilho da tela do aparelho não incomodou os pais, que estavam do lado dele e não fizeram nada a respeito,
mas eu fui obrigado a mudar de lugar. Estou jogando praga nessa família até
hoje...
Tais
situações me fizeram adotar certas medidas, caso eu quisesse manter o meu costume de cinéfilo:
-
evito ir aos cinemas nos fins de semana; agora priorizo as sessões nos outros
dias, quanto menos gente, melhor;
- o
fato de não sair nos fins de semana, consequentemente me livra de outros
problemas: adolescentes e crianças irritantes (e pais passivos), ou seja, esse público “adorável”
que está ali mais para confraternizar com os amigos, se pegar no escuro, fazer
selfies, dar gargalhada em momentos inapropriados, menos para ver o que está na telona.
-
quando possível, vou a um cinema onde o público é mais adulto e ciente das
regras sociais ali vigentes.
Não espero que os estúdios mudem suas estratégias de
marketing, mas as pessoas podem sim rever suas atitudes, terem mais respeito e
educação com o próximo. De que adianta tanta tecnologia e mais conforto nas
salas de cinema se os seus usuários ainda agem como se vivessem na era das cavernas?
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