Uma moça vai num estabelecimento
e pede um café e biscoitos. Ela nem está com fome, o pedido feito serve mais
para postar a foto do “lanche” na sua rede social e conseguir alguns “likes”,
a atenção de seus “seguidores”. Ah, e aquele momento entre a postagem e a
primeira “curtida” hein, é angustiante, não é mesmo? Quem nunca fez isso? Eu já fiz.
Me arrependo? Não. Me considero frívolo, por isso? Não. Apenas há momentos.
A descrição do fato acima faz
parte do nosso cotidiano, mas eu me refiro a uma das cenas do
primeiro episódio da nova temporada de Black Mirror (2011 - ?). O que leva à
questão: Fiquei assustado ao me identificar com uma situação vista em uma série?
Sim, com certeza, e devemos. Motivar esse tipo de reflexão é justamente o grande trunfo dessa
série inglesa, que estreou a terceira temporada nesta semana, na Netflix.
O homem e a sua dependência crescente
da tecnologia sempre foi o cerne de Black
Mirror, seriado que estreou em 2011, e do qual eu já tinha feito um post anos atrás, clique aqui. Os novos seis episódios de Black
Mirror tratam do mesmo tema, e continuam sombrios, cínicos, incômodos e
trágicos, e o pior, as histórias apresentam um universo muito próximo da nossa realidade
e isso é assustador.
A cena descrita no começo do post
faz parte do primeiro e magnífico episódio, Nosedive,
dirigido por Joe Wright (diretor dos ótimos Hanna
e Desejo e Reparação). Bryce Dallas Howard
(em atuação digna de milhares de likes) interpreta Lacie, uma mulher que pode
ser facilmente encontrada por aí, pode ser a sua amiga, a sua vizinha, a “amiga”
do Instagram. Lacie vive “feliz” nas
redes sociais, integra uma sociedade sustentada por “avaliação”, na qual tudo e
todos são constantemente avaliados com estrelinhas, e produtos e serviços são
acessíveis apenas a quem possui uma nota boa nas redes sociais, sendo 5 a nota
máxima, “você é muito popular”, e 1 significa que você é tem uma má reputação, “eu
não quero papo com você, olhe sua classificação, não posso ser vista com você”,
ou seja, é uma sociedade na qual você é julgado pela sua popularidade no universo virtual, e não pelo que você é ou faz.
Com a pontuação de 4,2, Lacie
precisa chegar a 4,5 para poder adquirir a casa que tanto deseja, mas a solução
pode ser a sua “amiga” popular, que a convidou para seu casamento e que estará
repleto de pessoas bem "classificadas", o que melhorará a sua pontuação.
Obviamente, Lacie passa por maus bocados e, enquanto acompanhamos a trajetória
da personagem, testemunhamos um mundo muito semelhante ao nosso, repleto de discursos
hipócritas – em que se vomita sobre os benefícios da vida real, mas não tira os
olhos do celular –, conversas superficiais e histéricas cujo interesse é a
troca de “likes” e a obsessão em mostrar
uma “felicidade” fake nos aplicativos.
Black Mirror não tem medo de tocar
em feridas, não ilude o espectador, muito menos se preocupa com happy end, a
realidade é cruel e feia, e seres humanos fazem coisas abomináveis e possuem
segredos obscuros, e graças à tecnologia, eles podem ser espalhados pelo mundo e destruir sua vida. Pode-se citar também outras
questões exploradas pelo novo ano da série, Playtest, segundo episódio, problematiza a vontade do homem em querer criar
jogos cada vez mais imersivos, já no episódio 3, Shut up and dance, um dos mais perturbadores, é sobre um garoto, que é chantageado por um desconhecido que ameaça vazar um vídeo de sua “masturbação”
para seus contatos, caso ele não cumpra suas ordens.
Black Mirror não traz uma visão romântica
da nossa sociedade, é verdade, é honesta e pessimista, seu objetivo é
causar incômodo, algumas situações podem parecer absurdas, mas o mais assustador
é ver na ficção algo que faz parte do nosso cotidiano e perceber a grande influência
da tecnologia em nossas vidas, evidenciando as fraquezas do homem da pior forma
possível. Precisamos de séries mais ousadas como essa.
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