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24 de setembro de 2017

mãe!


Darren Aronofsky não faz filme de fácil digestão: Pi, Réquiem para um Sonho, Fonte da Vida e Cisne Negro são obras desconcertantes, divisivas e polêmicas. Se você é um apreciador do repertório do cineasta, certamente você vai adorar sua mais nova criação: mãe! (mother!, 2017), se não, vai odiá-lo com todas as suas forças (bem, hoje em dia, não se precisa de muito para se odiar algo né!). mãe! é – no melhor sentido – desagradável, claustrofóbico, desconfortável, um chute no estômago. mãe! não é um filme de terror, como o marketing diz ser, embora haja momentos e artifícios que evoquem uma produção do gênero.

mãe! é sobre a Criação e o Criador, a alegoria religiosa presente na obra é incontestável, ainda que permita interpretações múltiplas, o fanatismo religioso e a devoção a celebridades/deuses são claramente explicitados. Jennifer Lawrence vive a mãe. De acordo com alguns dicionários, mãe significa amor, proteção, alimentação. Indo ainda mais longe, a deusa Kali, a mãe segundo os hindus, representa criação, preservação, destruição. E todos esses elementos são representados pela figura da protagonista ou pela narrativa.

Na história, um casal vive tranquilamente numa casa em um lugar remoto. A mãe (Lawrence) é a esposa dedicada, prestativa, atenciosa. O marido, vivido por Javier Barden, é o Criador, um artista em busca de inspiração para sua nova obra. Ao longo da projeção, percebemos que a relação do casal está desgastada, ele quase não a toca, e ela tenta fazer de tudo para agradá-lo, em vão. A monotonia na casa é quebrada quando um estranho (Ed Harris) chega a casa. Logo depois, chega a sua mulher (Michelle Pfeiffer). Ambos representam Adão e Eva, algo que se pode comprovar numa cena específica, ocorrida no banheiro, cujo momento dá início às referências bíblicas que vêm a seguir.

Enquanto o marido acha a companhia dos visitantes uma forma de atiçar a sua criatividade artística, a mãe se sente deixada de lado, e perdendo o controle sobre a casa, o seu marido, a sua vida. O clima de desconfiança e de que algo muito ruim irá acontecer paira durante o primeiro ato do longa, que se encerra de forma brutal e caótica, mas nada se comparado com o aterrorizante, enfurecido e “insuportável” terceiro ato, com ecos de filme de guerra protagonizados por fundamentalistas destrutivos.


A câmera do diretor quase sempre no rosto de Lawrence potencializa ainda mais o desconforto e a sensação de sufoco, principalmente nos momentos derradeiros, quando tentamos encontrar a qualquer custo alguma faísca de lógica, no final, percebe-se que não é um filme para se entender apenas, mas para interpretar segundo o seu próprio repertório e/ou formação cultural e social.


Se mãe! incomoda tanto é porque o homem sofre de um mal chamado hipocrisia, pois as feridas que Aronofsky escancara nada mais é que um reflexo feio e machucado da humanidade, revela o egoísmo, as tentações que batem a nossa porta e tentam nos descontrolar, o amor incondicional e cego capaz de destruir, a adoração desmedida a ditos-cujos, a vulnerabilidade que torna os homens imperfeitos e suscetíveis ao abismo. Ademais, é a obra fílmica mais corajosa e alucinada que você verá em anos, a melhor criação de Aronofsky desde Cisne Negro. Confira o trailer AQUI!

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