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24 de junho de 2014

O Homem Duplicado





A menos de um ano do lançamento de seu filme anterior, Os Suspeitos, um novo trabalho do elogiado diretor Denis Villeneuve chega às telonas. O cineasta se junta novamente com Jake Gyllenhaal em O Homem Duplicado (Enemy, 2014), suspense psicológico e enigmático baseado na obra do autor português José Saramago. O resultado, quero deixar você avisado, é bizarro e soturno.

A primeira cena já nota-se que O Homem Duplicado vai trabalhar muito com o surrealismo e metáforas, isso significa que, o filme não é de gosto fácil. Gyllenhaal interpreta Adam, professor de história, um homem preso em uma rotina monótona e repetitiva que envolve trabalho, correção de provas e sexo com a namorada. Adam tem sua vida transformada quando descobre em um filme, um homem fisicamente idêntico a ele. Transtornado com a descoberta, ele sai em busca do seu “outro eu”, um ator cujo nome é Anthony.

 Me, myself and I.

Conforme Adam e Anthony vão se conhecendo, uma relação perigosa entre eles vai se desenvolvendo, e a partir daí se vislumbra nitidamente uma trama mais ambígua e complicada. Villeneuve teceu uma teia de aranha - aliás, a aranha é presença constante na história e dá o toque surreal ao enredo - no qual o espectador, e não os personagens, é quem terá dificuldade de sair dela. O cineasta realizou uma obra que permite que a imaginação do espectador voe alto para entender o que realmente está acontecendo, não espere por respostas, a sua interpretação individual sobre a história do homem duplicado é o que deve bastar. 

Preste atenção nos detalhes, na reação dos personagens femininos e principalmente nos diálogos, especificamente na cena em que Anthony conversa com a sua mãe. Daí, quem sabe você tenha a resposta para algumas questões como “Eles são irmãos ou são as mesmas pessoas? É um sonho ou realidade alternativa? E se for um sonho, quem está sonhando, Adam ou Anthony?”.


Em 90 minutos bem trabalhados, O Homem Duplicado é bem menos sobre a tal “coincidência” e mais pela derrocada moral do homem em situações perturbadoras. A trilha sonora caótica e o visual incômodo potencializam ainda mais a estranheza que sentimos durante toda a narrativa. Gyllenhaal merece duas vezes o nosso respeito pela atuação dupla, mesmo com pouquíssima diferença física entre Adam e Anthony, Jake encarna com eficiência seus papéis utilizando-se de gestos sutis e pontuais para realçar as particularidades de cada um. 

Assim como Donnie Darko, O Homem Duplicado atrai mais por não ser autoexplicativo e por permitir várias interpretações. Saramago não é um escritor de fácil leitura, então, saiba de antemão que esta adaptação também pode ser indigesta, para quem não está habituado a usar o cérebro obviamente.

NOTA: 7,5

16 de junho de 2014

Versos de um Crime





Daniel Radcliffe - o intérprete de Harry Potter, caso você tenha ficado fora da Terra nos últimos anos - não é um ator comum, sua sede em experimentar papéis fortes e desafiadores e a vontade de se distanciar ao máximo do protagonista da adaptação literária já tinha iniciado antes mesmo da saga terminar. Lembram quando Radcliffe causou burburinhos ao aparecer pelado na peça Equus? Então, desde esse momento tivemos uma prévia dos rumos que sua carreira tomaria. 


Com essa coragem e a preferência por papéis excêntricos, o talentoso Daniel - sim, ele é - vem construindo sua carreira pós-Harry Potter interpretando personagens interessantíssimos como o jovem médico na estranha e engraçada série Diário de um Jovem Médico (A Young Doctor´s Notebook). Já no cinema, suas performances continuam inspiradas, já as produções de que participa, são irregulares, como o suspense A Mulher de Preto e o drama Versos de Um Crime.

 Aprontando na biblioteca!


Do diretor estreante John Krokidas, Versos de um Crime (Kill Your Darlings, 2013) conta um pouco sobre os escritores e poetas da chamada Geração Beat, um grupo de jovens intelectuais inconformados com a educação limitada e anticriativa, adeptos a um estilo de vida intenso regido a álcool, jazz e muitos entorpecentes. Radcliffe vive Allen Ginsberg (famoso pela obra Uivo e Outros Poemas), um garoto com problemas domésticos que encontra na universidade um mundo novo e boêmio, lá se apaixona pelo colega Lucien Carr (Dane DeHaan, de Poder sem Limites) e experimenta uma gama de sensações e sentimentos que nunca imaginara.


Faz parte do grupo de amigos o escritor Jack Kerouac (que anos depois escreveria On The Road, aqui interpretado por Ben Foster) e William Burroughs (autor de Almoço Nu e vivido no filme por Jack Huston). Parte do longa se concentra nos escritores trabalhando numa inovadora linha literária, Uma Nova Visão. O clima é semelhante ao clássico Sociedade dos Poetas Mortos, até a trama sofrer uma reviravolta envolvendo um assassinato e se tornar um suspense policial. Então, toda a parte de desenvolvimento do Movimento Beat perde sua importância em razão do tal crime, deixando o espectador ávido por saber mais do movimento e sendo obrigado a engolir a história do assassinato, que infelizmente, não empolga muito.

 C. Hall e Radcliffe: atuações inspiradas


É certo dizer que Versos de Um Crime é mais um filme concentrado no amadurecimento de Ginsberg, um garoto sensível e romântico, mas facilmente manipulado. Radcliffe está soberbo aqui, destemido como sempre, o ator se entregada em momentos desafiadores como a cena de sexo com outro homem. Michael C. Hall também se destaca na obra, eis aqui um ator incrível que já está fazendo falta na TV desde que Dexter acabou.


Conhecer um pouco mais sobre os escritores da época, a visão de mundo e as experiências dos integrantes do Movimento Beat e as atuações inspiradas do elenco é o que mais atrai nesta produção. Para fãs de Kerouac e Cia. e do Menino Bruxo, o filme deve ser um deleite também. Mas o roteiro falho - a sequência de sexo de Ginsberg alternando com cenas de outros personagens é muito bizarra e sem sentido - e a direção equivocada comprometem o resultado final e assim, Versos de um Crime se caracteriza pela superficialidade e de fácil esquecimento.


NOTA: 5,5

8 de junho de 2014

No Limite do Amanhã




Uma ficção científica com muita ação e roteiro inteligente, mas que escorrega no seu clímax, assim é No Limite do Amanhã (Edge of Tomorrow,2014), novo filme do carismático Tom Cruise.  O astro do sorriso largo escolhe muito bem seus projetos, seus últimos três filmes, Jack Reacher, Oblivion e este, podem não ter tido sucesso absoluto de crítica ou de público, mas ressalta o esforço do ator em trabalhar com roteiros engenhosos e material inédito. 

Para mim, dos seus últimos trabalhos, Jack Reacher é o que me agrada mais, Oblivion é confuso demais e No Limite de Amanhã, bem, é um bom filme, mas me deixou uma sensação de que poderia ser bem melhor. Cruise é um dos meus atores preferidos desde sempre, um dos mais simpáticos e queridos de Hollywood, isso é incontestável, então, sempre que há um novo trabalho do Mr. Show Me The Money, eu tenho que conferir.

 Cruise vive. morre. repete.

Comandado por Doug Liman, diretor dos divertidos Vamos Nessa e Sr. e Sra. Smith, No Limite do Amanhã começa quando um profissional de Relações Públicas, Cage, papel de Cruise, é obrigado a ir para a linha de frente numa batalha entre humanos e seres alienígenas. Sem qualquer experiência em combate, Cage veste o seu exoesqueleto, se junta a outros milhares de soldados e cai de paraquedas num cenário de guerra impiedoso e violento que muito se assemelha ao início de O Resgate do Soldado Ryan.

Após ser morto, Cage acorda novamente no dia anterior. E tudo se repete, uma, duas, três, milhares de vezes, e assim, o personagem descobre que esta sua habilidade de voltar no tempo pode ser a chave para ganhar a guerra contra os aliens. A grande sacada do filme é que as repetições não cansam de modo algum o espectador, detalhes simples como o cansaço do personagem, momentos cômicos e frustrantes do protagonista faz com que a gente perceba que houve uma mudança no tempo.

 Emily Blunt sensualizando em modo repeat

Cruise tem uma atuação notável, repetir a mesma cena inúmeras vezes, mas demonstrando em cada uma delas emoções distintas de forma sutil, não é tão simples assim. Emily Blunt também não fica atrás, Vrataski, sua personagem guerreira e fria, nada lembra a “simpática” Emily, secretária de Miranda no sucesso O Diabo Veste Prada.

A trama futurística parece confusa, mas não é, a princípio, Liman conduz o filme com muita firmeza e objetividade, as cenas de ação são bem elaboradas e surpreendem, o alienígena também é outro elemento muito interessante e diferente de tudo já visto em produções do gênero, mas em seus momentos finais, o longa derrapa feio e se rende aos clichês. A inteligência e a ousadia presente no roteiro na sua fase inicial deu lugar ao lugar comum, o óbvio, o “arroz com feijão”, a batalha na cidade de Paris não empolga, porque já vimos algo semelhante em centenas de outros blockbusters por aí. Tudo é muito previsível. E no fim da sessão, fiquei com uma ideia na cabeça, pensando de que forma No Limite do Amanhã teria um final mais satisfatório e menos preguiçoso.

NOTA: 7,0

1 de junho de 2014

The Normal Heart





No ano passado Behind the Candelabra, telefilme protagonizado por Michael Douglas e Matt Damon e baseado na vida do pianista Wladziu Liberace conquistou a crítica e abocanhou inúmeros troféus nas premiações da televisão americana. Este mês, outro drama gay produzido pela HBO estreia com a expectativa de repetir o mesmo caminho de sucesso, The Normal Heart (2014) é uma poderosa obra, interpretada com muita paixão e dedicação pelos seus dois atores principais, Mark Ruffalo (Os Vingadores) e Matt Bomer (da série White Collar).


The Normal Heart se passa nos anos 80 e conta sobre o início da epidemia do vírus da AIDS nos EUA. O mundo extravagante e alegre da comunidade gay é acometido por uma série de mortes inexplicáveis do qual ninguém sabe como e onde se contrai o tal vírus. Ruffalo interpreta Ned Weeks, ativista que faz de tudo para alertar os companheiros da doença e para que o governo pare de ignorar a epidemia e o público gls, que naquela época, era visto com desprezo pelo restante da sociedade, além de serem tratados como únicos disseminadores da doença.

 Matt Bomer já bem magro, na pele de um portador de HIV


Felix (Bomer) é o repórter de uma importante publicação que se envolve amorosamente com o ativista Ned Weeks. Charmoso e esbelto no início, Felix se torna a forte e moribunda imagem de um portador de HIV na última hora do filme. Assim como Matthew McConaughey em Clube de Compras Dallas e Christian Bale em O Operário, Matt Bomer encarou a ideia de perder dezenas de quilos para o seu personagem e o resultado é surpreendente e impactante. Ruffalo e Bomer devem ganhar prêmios por suas grandes atuações nas premiações do Emmy, Globo de Ouro, entre outras.


A produção da HBO é dirigida pelo ousado Ryan Murphy, criador das séries Glee e American Horror Story e diretor de Comer, Rezar e Amar, não por acaso, o elenco tem bastante gente conhecida e amiga dele como a Julia Roberts, que vive a médica Emma Brookner, a única pessoa do seu meio que se esforça para tentar compreender o vírus HIV, Jonathan Groff, já participou de Glee e hoje está na excelente Looking, Jim Parsons, o Sheldon Cooper de The Big Bang Theory e o projeto de astro Taylor Kitsch, da série Friday Night Lights e dos blockbusters John Carter e Battleship, irreconhecível na pele de Bruce, um dos homossexuais ativistas e que se culpa por transmitir o vírus a quase todos os seus namorados.

 Ruffalo e Bomer: no amor e na guerra


The Normal Heart não é um drama ausente de falhas, peca por forçar diálogos longos e histéricos demais com o intuito de chamar a atenção do público para o tema em questão, porém, não diminui a força que o filme apresenta advinda principalmente de seus personagens intensos e da história comovente. Foi um período vergonhoso para a humanidade, no qual a sociedade fechou os olhos para os portadores do vírus por puro preconceito e ignorância, e não se importavam sequer com a quantidade imensa de vítimas que a AIDS fazia todos os dias. Simplesmente não havia humanidade aí. Eu recomendo o filme, já em exibição no canal HBO.


NOTA: 7,5


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